Fonte: livro Manual do Cristão Gay por Marvel Souza:
"A ideia de uma igreja onde pudesse congregar e servir a Deus de maneira íntegra, não me passava pela cabeça quando entrei em atrito com liderança de onde congregava.
Eu revelei que sou homossexual e pedi apenas para continuar minha vida cristã, desenvolvendo meus trabalhos, dando aulas de Teologia, algo que amava fazer; não foi possível. Experimentei o ódio gratuito por parte de todos que diziam ser amigos.
Entrei em desespero ao sentir que estavam tirando de mim algo muito precioso, ao pedirem minha exclusão dos trabalhos e da comunhão. Passei um bom tempo fugindo das pessoas. Sentia que devia satisfação a todos, pois tinha uma vida pública.
Por madrugadas chorei em oração ao pensar que jamais poderia exercer o ministério da palavra, sentia como se as portas estivessem fechadas para mim. Naquele período, tive de me afastar de minha família, imaginava que para eles devia ser bem difícil lidar com os comentários.
Não tive a curiosidade de uma vida dissoluta, de bebedeiras, noitadas, vícios e promiscuidade, quando passei a morar só. Apenas tive pavor – pavor da solidão. Tinha amigos de trabalho, familiares que me visitavam, ligavam, mas não era suficiente para me fazer vencer a solidão que sentia. Estava cercado de pessoas, porém só – entendi que a solidão não é a ausência de pessoas, mas a falta de ligação com elas. Não podia compartilhar com ninguém o que estava passando em meu interior.
Um dia levantei de madrugada para orar pelo meu ministério, queria entender se realmente era o fim. Fui a um templo evangélico da Assembleia de Deus, uma igreja grande, bonita, com pessoas bem vestidas, hinos bem ensaiados – perfeitamente bom.
Precisava de conforto para meu coração e sabia que só encontraria ouvindo a ministração da Palavra de Deus.
O dirigente do culto pediu para que todos ficassem em pé e fechassem os olhos, a fim de orarem pelo ministrante da noite. Nesse momento eu fiz um pedido a Deus em meu coração. Pedi a Ele que me respondesse à seguinte pergunta: “O Senhor me aceita como sou para sua obra?”.
Ao pegar o microfone, o pregador da noite não saudou os presentes, apenas disse: “A resposta para você que orou em silêncio e perguntou a Deus se ele o aceita para a obra dele é: “Reconheço, por verdade, que Deus não faz acepção de pessoas”. Atos 10:34
Naquele momento senti que Deus me amava incondicionalmente, fui esvaziado de todo pesar, passei a crer que uma porta se abriria para que eu pudesse servi-Lo.
Faz exatamente dois anos e três meses que congregamos em uma igreja evangélica que é inclusiva. Sirvo a Deus como Presbítero e meu esposo é Diácono. Encontramos na igreja uma família que nos abraçou como somos – um casal feliz que serve a Deus.
Para muitos, a prática religiosa é um fardo pesado; para alguns, um prazer incomparável. Para a maioria, algo desnecessário.
Os que a têm por fardo se alegram quando a deixam; os que por prazer, sofrem; mas os que a acham desnecessária são indiferentes quanto a tê-la ou não – são insensíveis, não veem proveito, praticam por osmose .
Não são poucos os que gostavam da vida religiosa que levavam, mas tiveram uma interrupção que os obrigou a abandonar suas atividades, sentiram-se obrigados a enterrar o dom que receberam de Deus (abro espaço para lembrá-los que atividade religiosa não é ato religioso, posso deixar minhas atividades e manter o ato de estar em contato com Deus). Pensaram que nunca mais voltariam a cantar, a pregar, a orar por alguém, a evangelizar, a ser parte do organismo vivo chamado igreja. Alguns chegaram a abandonar tanto a atividade religiosa, como também o ato religioso – deixaram a obra e o Deus da obra. Envolvidos em decepções, tristezas e rejeições, passaram a viver dissolutamente. Encaixam-se perfeitamente no artigo da humorista Erma Bombeck:
“Percebi que o mundo inteiro está em prantos e, se você não está chorando, é melhor começar. (...) Por tradição, as pessoas usam a fé com a solenidade de acompanhamento de enterro, a seriedade de uma máscara trágica e a dedicação de um emblema do Rotary”.
Nos dois anos e três meses que tenho vivido em uma igreja inclusiva tenho me dedicado a pesquisar e fazer coleta de dados em forma de anotações, muitas das quais uso quando faço algum sermão ou palestra.Outras já viraram apostilas que pretendo publicar. Durante esse período, observei que boa parte dos que frequentam o meio inclusivo onde congrego sentem dificuldade para entender o tipo de fé que devem professar enquanto cristãoshomossexuais. Sendo a maioria criado em lar evangélico, é fácil deduzir que não são poucas as controvérsias quando se trata de como servir a Deus. Ademais, no meio evangélico é comum encontrarmos disputas sobre quem serve melhor a Deus.
De modo que muitos querem uma igreja inclusiva que represente bem o meio no qual ele ou ela foi criado(a) – querem representações daquilo que nunca queriam ter perdido. Em alguns casos, a experiência do retorno à atividade religiosa e ao ato religioso torna-se frustrante, pois não se consegue parar de fazer comparações – verdade é que se fossemos aceitos, sendo quem somos, no meio cristão no qual estávamos, jamais teríamos saído de lá.
Há momentos em que tento mostrar para as pessoas que a inclusão sempre existiu na história bíblica, que na verdade ninguém inventou igreja inclusiva, ela foi instituída por Jesus e desde então sempre esteve presente (nós apenas não a enxergávamos, quem sabe por não se ter necessidade). Costumamos perceber o que não temos quando temos necessidade. É assim que a Bíblia diz sobre o homem que foi importunado à meia noite por um amigo que procurava por pão: “(...) um meu amigo, chegando de viagem, procurou-me, e eu nada tenho que lhe oferecer.” Lucas 11:6– ele percebeu que não tinha pão ao ter necessidade.
O teólogo Karl Barth, depois de escrever muito em sua obra Church Dogmatics [A dogmática da Igreja], chegou à simples conclusão sobre Deus: “Aquele que ama”.
Porém, sinto que a maioria não se sente satisfeita ao ouvir definições como essa e as que dizem que para a salvação o que vale é um coração confirmado em santidade; querem argumentações convincentes de que a identidade homossexual é resguarda, ou pelo menos não condenada pela Bíblia. E com a gana de explicar isso, muitos incorrem no erro de explicar a razão de sua fé, mas não de dar razão à sua fé.
Explicar a razão da fé significa argumentar biblicamente o porquê de crer dessa ou daquela maneira, ao passo que dar razão à fé significa dar sentido ao servir a Deus. É como se o explicar a razão da fé fosse o exterior de um vaso, causamos uma boa impressão, a nossa face é boa, é atrativa, conseguimos provar que somos vasos; alguns até se gabam por ser vaso de honra, representam bem o meio de onde são. Por outro lado, o dar razão à fé é o interior do vaso, é o conteúdo que nos dá sentido de ser vaso, de ter uma utilidade, um objetivo – “Temos, porém, este tesouro em vasos de barro para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós. Em tudo somos atribulados, porém não angustiados; perplexos, porém não desanimados; perseguidos, porém, não desamparados; abatidos, porém não destruídos; levando sempre no corpo o morrer de Jesus, para que também a sua vida se manifeste em nosso corpo.” 2 Coríntios 4:7-10
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